Crônica: O Elevador da Vingança

by 12/14/2013 0 comentários
No final de todas as manhãs, dona Marceli regressava de sua aula de pintura cheia de sorrisos. Quase nada detinha o poder sombrio de lhe travar os dentes, a senhora era tão de bem com a vida que com quem cruzasse seja porteiro, taxista, feirante ou ambulante os comentários eram sempre os mesmos: - Nossa que senhora simpática!

Ninguém desconfiava que toda aquela simpatia desaparecia no exato momento em que a senhora apertava o botão do elevador. O ódio mortal do tipo de pessoa sem educação que além de apertar o botão já apertado, ficava bem colada à porta do elevador, apareceu ainda na juventude. Nos poucos passos da recepção até o elevador, sua mente surrava seu bem estar com pensamentos de hostilidades sempre que avistava alguém em tal posição esperando o elevador.

- Por que não espera as pessoas saírem para você entrar? Questionou a senhora para o garoto desleixado de cabelo ensebado que estava parado bem próximo a porta do elevador. O garoto de fones de ouvidos, não ouviu ou fez que não ouviu a reclamação da senhora. 

No terceiro mês em que seu horário de chegar em casa combinava com o horário de chegada do garoto, ela decidiu realmente abordá-lo: - Meu jovem espere as pessoas saírem do elevador para você entrar. Disse ela colocando delicadamente a mão no ombro do garoto. Ele retirou os fones de ouvidos e pediu para que dona Marceli repetisse o que havia dito. Ela então gentilmente fez o requisitado. Ainda assim o garoto debochado ignorou o pedido da senhora e mais uma vez antes mesmo do elevador chegar ao térreo já estava de prontidão colado na porta. 

Dominada por aquele tipo de ojeriza que faz as pessoas planejarem coisas horríveis e  extremamente exagerada perante situações comuns do cotidiano, no dia seguinte ao contato inútil feito com o garoto, ela saiu de casa portando um guarda-chuva mesmo estando o céu completamente azul. Esse foi o único dia em quinze anos de aula de pintura que Marceli pouco se importou com o que estava pintando, preocupada em colocar seu plano em prática, fez somente rabisco. 

Ao término da aula voltou ansiosa para o condomínio. Pronta e atenta a senhora esperou pelo garoto com grande sorriso interno. Quando o jovem se aproximou do elevador, ela abriu sem pudor um sorriso diabólico. Confiante, Marceli aguardou o momento exato em que o garoto iria invadir o elevador e com o guarda-chuva postou a alça perto dos pés do jovem provocando um torpeço. O desleixado de cabelo ensebado tratou de desabar. A queda teria sido desagradável senão fosse pela presença dentro do elevador da linda jovem do 501 que com seu corpo proporcionou o apoio necessário para que o garoto não encontrasse o chão. 

- Desculpe, acho que tropecei. Disse sorrindo o garoto.
- Não foi nada, vocês está bem? Perguntou docemente a jovem. Dona Marceli recolheu seu diabólico sorriso ao perceber que na verdade não aplicou qualquer lição no garoto e sim o ajudou a encontrar uma namorada. 

Desolada e inconformada já sabia o que esperar para o dia seguinte depois da aula de pintura, ao invés do garoto agora com certeza teria o casal postado na frente da porta do elevador. 

Caminhando devagar a cabisbaixa Marceli entrou no condomínio e acenou para o porteiro com desanimo, segundos depois se aproximou do elevador. Esperando pela chegada do incomodo tentou lidar com a frustração implorando para o elevador chegar antes do casal. Contudo o jovem casal apareceu logo em seguida.

O garoto apertou o já apertado botão do elevador. Dona Marceli fechou os olhos esperando o pior. Foi então que a jovem do 501 conseguiu trazer de volta toda a simpatia de dona Marceli puxando o garoto que se postava em frente ao elevador para o canto oposto iniciando uma longa sessão de beijos.

No entanto uma vingança termina somente para outra começar, a vizinha do 230 que também estava a espera do elevador não conseguiu esconder o incômodo que sentiu ao presenciar o namoro dos apaixonados e jurou coibir tal comportamento com extremo rigor!


SSMartinelli

S²FM

Pela janela olhei, tulipas não encontrei. Pensei, Filosofei, Bloguei.